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Words

Se uma imagem vale mais que mil palavras, então, aqui se escrevem por mil palavras, no mínimo, uma imensidão de imagens. É o principio de uma viajem pelas letras, entre linhas e parágrafos, a tentativa de por o mundo no papel de uma forma, pelo menos para mim, diferente do meu porto seguro. Tentemos!

Lapso, tempo e métrica

     Baixava sobre eles, naquele dia, uma pressa imensa. Era uma urgência sem precedentes, uma velocidade desproporcionada com os vagarosos gestos normais do dia a dia. Os comboios, nos apeadeiros, não esperavam mais que uns meros segundos. Os autocarros carregados de sonhos, alguns desfeitos, traziam os minutos contados e os segundos milimetricamente cronometrados. Não havia, nunca, tempo a perder, centímetro algum a ceder. 

    As gaivotas voavam apressadas, batiam as asas, afoitas, numa pressa ininterrupta, grave, como se não houvesse mais ar à sua frente. Os pombos, da mesma forma, traziam pragas à cidade e anunciavam desgraças quando pousavam em determinados sítios. Se pousavam no parapeitos traziam chuva, se nas gárgulas, granizo, se nas soleiras das portas, o sol. 

     Os mercados roubavam horas na sua preparação métrica, por isso, tinham de estar a postos quando abrissem, começavam cedo, nas ante-vésperas das noites. Sítios carregados de nervos, de suor, de longas e apressadas caminhadas, de vésperas mal dormidas, de promessas por cumprir. Há sítios onde as promessas se gastam com a  pressa de não se cumprirem.

    Naquele dia, os relógios atrasavam, os registos não funcionavam e o comboio vinha uns milímetros atrasado. Um milímetro, ali, podia transformar-se num metro inteiro ao final do dia. Era grave essa transformação. Eles, continham a pressa em breves suspiros, acumulavam tensão nos ombros e no bater das biqueiras dos sapatos à beira das plataformas. Um frenesim atónito, no mascar, nas bocas impacientes. No atirar das beatas para a linha. 

     As marés aceleradas traziam o lixo do mar, quatro ou cinco vezes ao dia, era impossível apanhar o ritmo. As margens apinhavam os detritos daquela imprudência toda e havia afluentes já entupidos. Nas pontes dolorosamente carregadas de celeridade, pesavam as horas, vibrava-se em sofreguidão e calcava-se as fundações, já frágeis, da hombridade fraterna entre pendulares.

     O movimento que outrora ansiava duas vezes por dia, repetia-se agora sete. Com tendência para chegar às oito, nos dias quentes. Nesses dias havia sempre mais premência, os que nunca saíam nos dias frios engrossavam aquela azafama doentia, já de si, incrivelmente voraz. 

    Quando o frio se impunha, emperrava as engrenagens da instância, mas pouco, abrandava-as só por uns segundos, daí degeneravam uns milímetros que, ao final do dia, com sorte, ditava um atraso na matriz. Havia quem gostasse, havia quem odiasse. Era assim, sempre fora, sempre será. O tempo rotina, e a rotina acelera o tempo. Havia quem o sentisse na pele, outros que o viam no reflexo baço das lentes côncavas de si mesmas. 

     Compreendiam as diferentes velocidades do prazo, dependendo, da inclinação do eixo. No entanto, as rotinas, as ânsias, as trigas não esperavam por centímetros dilatados em gestos imprecisos. Tinha de haver uma precisão incrível nos gestos, nas passadas, na espera, na batida frenética das solas ásperas, nos passeios, nas chaves que abriam as portas e nas réguas doces, frívolas, de minutos tácitos, trocados por uns meros centímetros ao final do dia.

     O tempo era tudo isso, naquele dia, em exclusivo, trocava-se por milímetros, por centímetros, por uns metros. Quem pudesse. Sabiam que, ao final da uma vida, acumulando milímetro a milímetro, podiam troca-los por uns segundos, por minutos, por uma hora a mais. Quem podia alavanca aquela poupança que dilatava momentos, com os seus, no dia antes de partir.

 

    

Frederico van ZellerComment